“fé encarnada na justiça, descanso como dignidade, trabalho como vocação"

“Comerás do fruto do teu trabalho;
serás feliz e tudo te irá bem.”
(Salmo 128:2)

O 1º de Maio é resistência. Não é feriado qualquer, mas memória acesa das lutas operárias que incendiaram o mundo no século XIX — como a greve de Chicago, em 1886, quando gente comum ousou exigir uma jornada justa. É brasão de uma história feita com os ombros de quem sustenta a vida. Para quem crê com os pés no chão, como nós, gente Episcopal Anglicana, celebrar esse dia é afirmar: o trabalho é dom, mas nunca foi prisão.

Desde a Criação, Deus estabeleceu o ritmo: seis tempos de obra, um de respiro. E esse respiro virou lei. Lei santa, popular, revolucionária. O sábado não é luxo espiritual — é a primeira legislação trabalhista da história, um grito contra a escravidão do tempo, um sopro de dignidade no rosto de quem labuta. Mas no Reino, tudo cresce como fermento (Mateus 13:33). O que começou como princípio se desenvolve com o tempo — e hoje, quando a técnica permite a redução drástica do trabalho presencial, insistir em jornadas exaustivas é alimentar a gula, Ganância dos que acumulam. Não há mais justificativa produtiva: o que se impõe é a sede dos exploradores. E contra esses, Jesus não silenciou. Denunciou os que enriquecem com o suor alheio, os que estocam enquanto o povo se esgota (cf. Mateus 23; Lucas 12:15-21).

O que vemos, então, é desvio de princípio. A tal da “escala 6x1”, vendida como progresso, tornou-se norma fria num mundo que já não precisa da presença constante para gerar riqueza. É só mais uma engrenagem da máquina que rouba tempo, corpo e alma do povo. Essa lógica perversa inverte o Reino: transforma filhos e filhas de Deus em peças, metas, números. Faz da vida um turno, da casa um ponto de passagem, do ser humano um recurso descartável — tudo para saciar a ganância de quem lucra com a exaustão dos outros.

Jesus, operário de Nazaré, sabia o que era calo na mão. Caminhou com pescadores, camponeses, gente invisível. Denunciou os opressores com a força da ternura e anunciou um Reino onde os últimos têm nome e lugar. A fé encarnada que ele viveu não permite neutralidade diante da injustiça. Por isso, a Igreja que caminha com ele se posiciona — como nos lembra a Carta Pastoral sobre Justiça Econômica da IEAB: ser Igreja é estar ao lado de quem sofre.

Neste 1º de Maio, afirmamos, com coragem e convicção:

- Pelo fim da escala 6x1 e de toda forma de escravidão moderna.
- Pelo direito ao descanso, ao cuidado, ao afeto, ao estudo, à oração.
- Pelo trabalho como vocação sagrada, não como castigo ou condenação.
- Pela justiça que nasce do amor e se sustenta na esperança.

Que sejamos comunidade viva — que não apenas ora, mas age. Que caminha com quem carrega peso demais. Que denuncia estruturas e anuncia outro mundo.

Oração pelo Dia do Trabalhador e da Trabalhadora

Deus que trabalha com as mãos e sonha com os pobres,
Tu que vestiste carne e caminhaste com operários e operárias invisíveis,
recebe hoje nosso clamor: Por cada pessoa que madruga sem ter pão,
por cada corpo exausto, por cada voz calada,
por cada sonho adiado pela engrenagem cruel da produção.
Ensina-nos que justiça é também o descanso,
e que Tua vontade não é o lucro, mas a vida em plenitude.
Levanta tua Igreja, Deus, para sermos testemunho do Reino que liberta.
Por Jesus, trabalhador de Nazaré, compaixão que se fez carne. Amém.

“Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” (Mateus 11:28)
Palavra da Comunhão Anglicana
“Não pode haver verdadeira adoração a Deus enquanto seus filhos e filhas forem privados da vida plena que Ele sonhou.”


Declaração do Conselho Consultivo Anglicano, Encontro de Lusaka, 2016

Claudio Siqueira;
Paróquia Santo Agostinho de Cantuária, DAPAR